Cinco
autores negros para ler e conhecer
Mariana
Werkhaizer Soares de Campos Rosa
Bacharel em Letras – Português/Inglês pela Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. No
momento está concluindo a Licenciatura em Letras – Português/Inglês pela mesma
universidade.
Como
diz a grande filósofa e ativista norte-americana Angela Davis (1944), “não
basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Um caminho muito importante
para o antirracismo é abrir espaço para que os artistas negros tenham suas
obras recebidas e apreciadas da mesma forma que os brancos. Isso engloba todas
as formas de arte: as artes plásticas, o cinema, a música, a dança, o teatro e,
é claro, a literatura.
Este pequeno texto se propõe a apresentar
cinco autores negros: três mulheres e dois homens, sendo três autores
brasileiros, uma autora nigeriana e uma autora norte-americana. Três deles já
são autores clássicos, dois têm potencial para se tornar clássicos.
Carolina Maria de Jesus (1914-1977)
Nascida em Sacramento, Minas Gerais, e
falecida em São Paulo, Carolina foi empregada doméstica, catadora de papel e,
finalmente, escritora e cantora. Entre 1955 e 1960, enquanto trabalhava como
catadora de papel e vivia na favela do Canindé, em São Paulo, com seus três
filhos, manteve diários em que relatava suas agruras e suas pequenas e grandes
alegrias, com uma linguagem simples e objetiva, mas de forma alguma desprovida
de poeticidade e sensibilidade.
A
leitura e a escrita eram refúgios para Carolina, que teve pouco estudo formal.
Em 1960, Audálio Dantas, um jornalista que escrevia uma reportagem sobre a
favela do Canindé, conheceu Carolina e cuidou da publicação de seus diários,
que dariam origem à principal obra da autora, Quarto de despejo. O título
se refere à metáfora usada por Carolina para descrever a favela, o “quarto de
despejo da cidade”.
O livro foi um best-seller e seu
sucesso foi suficiente para tirar Carolina e sua família da favela, mas não da
pobreza. Hoje, os descendentes de Carolina travam batalhas judiciais pelos
direitos autorais (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/04/netas-de-escritora-carolina-maria-de-jesus-dizem-viver-quarto-de-despejo-2.shtml).
Além de Quarto de despejo, Carolina
publicou outros seis livros, bem como gravou o disco Quarto de Despejo –
Carolina Maria de Jesus Canta Suas Composições, lançado em 1961, na esteira
do sucesso de seu livro de estreia.
Maya Angelou (1928-2014)
Nascida em St. Louis, no
estado norte-americano do Missouri, como Marguerite Ann Johnson, e falecida em
Winston-Salem, na Carolina do Norte, Maya Angelou foi escritora, ativista, atriz,
cantora, dançarina, roteirista, diretora de cinema, historiadora, entre muitas
outras atividades. Também foi a primeira mulher negra a dirigir um bonde em San
Francisco, Califórnia, e recebeu vários títulos honorários de grandes
universidades.
Em 1969, publicou seu primeiro livro, Eu sei
por que o pássaro canta na gaiola, um livro de memórias abrangendo desde
sua infância ao nascimento de seu primeiro filho. Maya e o irmão mais velho,
Bailey Jr., foram criados pela avó paterna no Arkansas, e neste livro de
estreia ela relata uma infância de relativo conforto econômico em comparação às
condições vividas pela maioria da população afro-americana durante a Grande
Depressão, pois a pequena loja de sua avó prosperava.
Eu sei por que o pássaro canta na gaiola,
no entanto, também trata de momentos terríveis de violência, como
quando Maya foi violentada pelo namorado da mãe aos 8 anos de idade, levando a quase
cinco anos de mutismo, em que ela desenvolveu seu amor pela literatura, e o
racismo sofrido por ela ainda muito nova, quando precisava de um dentista e
vários dentistas brancos se recusaram a atendê-la. Assim como Quarto de
despejo, essa é uma obra que denuncia com muita contundência a
sociedade racista e misógina em que sua autora estava inserida.
A obra de Maya Angelou é vastíssima,
compreendendo uma série de sete autobiografias, livros de poemas, discos, bem
como roteiros de cinema e peças de teatro, além da atuação no teatro e na
televisão. Também foi amiga de grandes nomes do ativismo pelos direitos civis
nos anos 1960, como James Baldwin, Malcolm X e Martin Luther King.
Joaquim
Maria Machado de Assis (1839-1908)
Muitos não sabem, porém, o maior autor da
literatura brasileira, nascido e falecido no Rio de Janeiro, era um homem negro.
Durante décadas, a figura de Machado de Assis sofreu um processo de
embranquecimento, que vem sendo fortemente combatido nos últimos anos (https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2019/05/01/campanha-recria-foto-classica-de-machado-de-assis-e-mostra-escritor-negro-racismo-escondeu-quem-ele-era.ghtml).
Embora alguns digam que a obra machadiana se
concentra na burguesia branca do Rio de Janeiro, relegando personagens negros
ao segundo plano, isso não é totalmente verdade.
De fato, os protagonistas dos romances e
contos de Machado, com muita frequência, são pessoas brancas da elite carioca.
Contudo, o Bruxo do Cosme Velho, como o autor é chamado, escrevia com “a pena
da galhofa e a tinta da melancolia”, e usava sua escrita elegante para ironizar
e ridicularizar esses personagens e as instituições fundamentais da sociedade
carioca do século XIX, entre elas, a escravidão e o racismo.
Passagens
de romances como Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Iaiá
Garcia, por exemplo, ou contos como O caso da vara, Pai contra mãe
e Mariana, permitem um vislumbre do que acontece quando Machado dá
destaque a personagens negros, ainda que, na camada mais superficial, essas
tramas pareçam estar centradas nos personagens brancos e/ou burgueses.
Além de romancista e contista, Machado
também foi jornalista, cronista, dramaturgo e poeta. O conjunto de sua obra é
essencial para entender não apenas como eram a vida e a sociedade na capital do
Império na segunda metade do século XIX, mas como há ainda ressonâncias das
formas de pensar e agir dessa sociedade na sociedade brasileira de hoje,
inclusive no que diz respeito ao racismo.
Chimamanda Ngozi Adichie (1977)
Nascida em Enugu, Nigéria,
e vivendo entre os Estados Unidos e seu país natal há muitos anos, Chimamanda é
muito reconhecida não apenas por seu trabalho como ficcionista, mas também como
ativista pelos direitos da mulher.
É autora dos romances Meio sol amarelo
(2008), Hibisco roxo (2011) e Americanah (2013) – este último com
um tom autobiográfico mais pronunciado – e a coletânea de contos No seu
pescoço (2009). Também é autora dos ensaios Para educar crianças
feministas e Sejamos todos feministas e da palestra O perigo de
uma história única.
Em Americanah, vários dos temas de
Chimamanda se fazem presentes. O amor, as consequências da guerra, os
sentimentos de (não-)identidade e (não-) pertencimento, o que significa ser
mulher, o que significa ser negro, o que significa ser uma mulher negra, como
essas vivências são diferentes nos Estados Unidos e na Nigéria e, justamente,
como não se pode atentar para apenas uma versão da história.
Traduzida para mais de trinta línguas e
ganhadora do Orange Prize por Meio sol amarelo, com textos publicados em
periódicos como The New Yorker e Granta, Chimamanda já é objeto
de estudo em diversos cursos de graduação em Literatura pelo mundo, apesar de
ainda ser uma escritora jovem e com uma obra relativamente curta.
Itamar Vieira Júnior (1979)
Nascido em Salvador,
Bahia, o escritor e geógrafo, doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA), ganhou fama no mundo lusófono com seu
romance Torto arado, publicado primeiramente em Portugal, no ano de 2019,
e posteriormente no Brasil, em 2020. Torto arado venceu o Prêmio LeYa em
2018 e os prêmios Jabuti e Oceanos em 2020.
Além do romance que lhe conferiu fama nos
países lusófonos, Itamar também publicou os livros de contos Dias (2012)
e A oração do carrasco (2017), que foi finalista do Prêmio Jabuti de
2018.
A ideia para Torto arado surgiu a
partir dos estudos realizados pelo autor para seu doutorado, no qual estudou a
formação de comunidades quilombolas no interior do Nordeste.
Bela e solidamente construído por meio de uma
narrativa que apresenta traços de atemporalidade e universalidade e está
centrada em duas irmãs, Bibiana e Belonísia, além de outras figuras femininas
importantes, como a mãe das irmãs, Salustiana, e a avó, Donana, Torto arado
retrata um microcosmo, muitas vezes esquecido, do Brasil real: trabalhadores
rurais, na sua maioria negros, que vivem em condições análogas à escravidão em
propriedades no interior do país.
Por essas características, alguns leitores e
críticos afirmam que Torto arado “já nasceu clássico”. A julgar pela
inegável qualidade desse romance, Itamar Vieira Júnior ainda terá muito a dizer
por meio de sua literatura nos próximos anos, e Torto arado se
confirmará como um novo clássico da literatura brasileira.
Este pequeno texto delineou breves perfis
biográficos e literários de cinco autores negros que merecem e devem ser lidos,
destacando algumas obras específicas, consideradas fundamentais para a
compreensão da literatura produzida por esses autores e de como retratam a
vivência das populações negras em diversos locais e períodos históricos.
Há muitos outros autores negros, brasileiros
ou não, que merecem ter suas obras lidas, estudadas e debatidas, mas que não
puderam entrar neste texto por questões de tempo e dimensões. Em outras
oportunidades, esses autores poderão ser apresentados e discutidos.