E se fizéssemos diferente?
Ministro Luís Roberto Barroso
(Compartilhado por Rosane Dias)
Uma recessão mundial parece inevitável. E ela
nos colherá após anos de recessão doméstica. Não virão tempos fáceis. Parece
inevitável que todos ficaremos, ao menos temporariamente, mais pobres do ponto
de vista material. Porém, na vida, tudo pode servir de aprendizado.
Sou convencido de que podemos sair do desastre
humanitário da pandemia do COVID-19 mais ricos como cidadãos e, talvez, também
espiritualmente. Para isso, procuro alinhavar uma agenda pós-crise, mas que já
pode ser colocada em prática desde logo. Toda escolha dessa natureza tem alguma
dose de subjetividade, mas eis a minha lista de propostas: integridade,
solidariedade, igualdade, competência, educação e ciência e tecnologia.
A integridade é a premissa de tudo o mais. Ela
precede a ideologia e as escolhas políticas. Ser correto não é virtude ou
opção: é regra civilizatória básica. Não há como o Brasil se tornar
verdadeiramente desenvolvido com os padrões de ética pública e de ética privada
que temos praticado. Um pacto de integridade só precisa de duas regras simples:
no espaço público, não desviar dinheiro; no espaço privado, não passar os
outros para trás. Será uma revolução.
Solidariedade significa não ser indiferente à
dor alheia e ter disposição para ajudar a superá-la. Ela envolve, para quem foi
menos impactado pela crise, a atitude de auxiliar aqueles que sofreram mais.
Como, por exemplo, continuar pagando por alguns serviços, mesmo que não estejam
sendo prestados. Da faxineira à manicure. E, evidentemente, caridade e
filantropia por parte de quem pode fazer.
A superação da pobreza extrema e da
desigualdade injusta continua a ser a causa inacabada da humanidade. Vivemos
num mundo em que 1% dos mais ricos possuem metade de toda a riqueza. E num país
no qual, segundo a organização Oxfam, 6 pessoas somadas possuem mais do que 100
milhões de brasileiros. A pandemia escancarou o déficit habitacional, a
inadequação dos domicílios e a falta de saneamento, em meio a tudo o mais. Já
sabemos onde estão as nossas prioridades.
Quanto à competência, precisamos deixar de ser
o país do nepotismo, do compadrio, das ações entre amigos com dinheiro público.
Aliás, uma das coisas que mais dão alento no Brasil é o fato de que, quando se
colocam as pessoas certas nos lugares certos, tudo funciona bem. Há exemplos recentes,
no Banco Central, na Petrobras, na Infraestrutura e na Saúde. Precisamos
derrotar as opções preferenciais pelos medíocres, pelos espertos e pelos
aduladores. É hora de dar espaço aos bons.
O déficit na educação básica – que é a que vai
do ensino infantil ao ensino médio – é a causa principal do nosso atraso. No
Brasil, ela só se universalizou 100 anos depois dos Estados Unidos. Elites
extrativistas e incultas escolheram esse destino. A falta de educação básica
está associada a três problemas graves: vidas menos iluminadas, trabalhadores
de menor produtividade e reduzido número de pessoas capazes de pensar soluções
para o país. Ao contrário de outras áreas, os problemas da educação têm
diagnósticos precisos e soluções consensuais. Há tanta gente de qualidade nessa
área que é difícil entender o descaso.
E, por fim, há a urgente necessidade de mais
investimento em ciência e tecnologia. O mundo vive uma revolução tecnológica e
está ingressando na quarta revolução industrial. A riqueza das nações depende
cada vez menos de bens materiais e, crescentemente, de conhecimento, informação
de ponta e inovação. Precisamos prestigiar e ampliar nossas instituições de
pesquisa de excelência, assim como valorizar os pesquisadores. A democracia tem
espaço para liberais, progressistas e conservadores. Mas não para o atraso.
Tem se falado que, depois da crise, haverá um
novo normal. E se não voltássemos ao normal? E se fizéssemos diferente?
*Luís
Roberto Barroso é ministro do STF. Professor titular da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Colaborador acadêmico da Harvard
Kennedy School.
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SCALA EM MOVIMENTO, IDEIAS COM FUNDAMENTOS EM TODOS OS TEMPOS!!
Sábias palavras do ministro nesse momento tão delicado que passamos. Precisamos sempre ter muitas ideias para nos ajudar a ter um bom senso crítico. Parabéns ao ministro e à Rosane por ter compartilhado tão importante artigo.
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