MOMENTO CULTURAL: Releitura de Fábula:"Os três porquinhos na pandemia"- Prof.Rodrigo Fontanelli

Fonte da imagem: https://www.elo7.com.br/painel-1-50x1-os-tres-porquinhos/dp/B76BFA

Os três porquinhos na pandemia

Prof.Rodrigo Fontanelli

Observação: a versão que se encontra aqui é uma peça que tem por objetivo entreter. Não deve ser levada a sério. Se você acha que o momento atual, no qual ocorre uma pandemia, não pode ser visto com um pouco de humor e liberdade, para aliviar a tensão e a quarentena, por favor não leia.

O pequeno peito de Cícero subia e descia ofegante, enquanto o porquinho empurrava a frágil porta de palha com as costas usando toda força e o seu peso para mantê-la fechada, juntando seu esforço quase inútil à uma tramela de gravetos mal feita. Ele havia descoberto da pior forma a resposta para a pergunta que ele mesmo formulara momentos antes: “quem tem medo do Lobo Mau?”

Uma gota de suor escorria pela sua testa, testemunha fiel do pavor e resultado da carreira que ele empenhara como um louco sabendo que dois dedos após seu rosado rabicó retorcido começava o focinho do lobo feroz. Agora tentava sentir-se seguro dentro de sua choupana de palha, feita completamente fora de esquadro.

– Abra a porta! – Trovejava o vozeirão do lobo do lado de fora.

– Está gritando em vão, jamais abrirei! – Respondia o porquinho, procurando a coragem como um faminto procura migalhas.

– Se não vai abrir vou soprar até não restar um fiapo de palha em pé!

– Como é que é?

– Você não entendeu? Se você não abrir essa miserável porta eu vou soprar e soprar até sua choupana entrar para a geografia!

– Para a História, lobo! Se diz “para a história”!

– Nunca fui bom nessas coisas de escola...

– Mas, voltando ao assunto, você dizia em soprar minha casa e...

– Isso mesmo! Vou soprar e colocar tudo no chão!

– Antes, posso perguntar umas coisinhas?

–Hã?

– Você fez viagens internacionais nos últimos catorze dias?

– Como assim, porco idiota? Estou morrendo de fome e você quer saber se eu viajei para outros países?

– É. Você foi pra China ou para a Itália, ou até mesmo para os Estados Unidos?

– Claro que não! Mal tenho dinheiro para ir de trem na Barra Funda! Por que essas perguntas?

– Quero saber se você está com coronavirus. Ou se há risco de ter entrado em contato com quem tem?

– Que papo é esse? O único papo de corona que conheço é a tal cerveja! Isso sem contar a ducha!

– Não tem visto o noticiário? Essa gripe está matando um monte de gente. Como você está ameaçando de soprar, quero saber se você pode estar com Covid-19. Já sabe, né, um sopro e você pode me contagiar e isso é perigoso!

Achando aquilo tudo a maior enrolação, o lobo achou de dar fim aquele palavrório e começou a soprar.

– Fuuuuuuuu... Fuuuuuuu...

E a choupana de Cícero voou pelos ares!

O suíno, vendo-se descoberto correu como se não houvesse amanhã, tentando chegar antes de tudo à casinha de madeira de seu rechonchudo irmão.

– Abre a porta, Heitor, Abreee!

Dizendo isso, Cícero tropeçou e foi o resto do caminho rolando como uma bola de boliche até entrar na casa de Heitor, que, a espreita, preparou tudo para a chegada desesperada do irmão, trancando rapidamente em seguida a porta de madeira.

Com o rabinho esfolado e muitas escoriações, Cícero não achou palavras para agradecer o irmão. O coração ainda batia em disparada quando a voz decidida do lobo ecoou lá fora, fazendo os guris tremerem e arregalar os olhos.

– Abram a porta se a quiserem inteira!

Heitor respondeu:

– Já que você disse que não viajou para fora, queria saber se você andou nesse tal de “trem para Barra Funda”.

Heitor estava um bocado a par do assunto, pois havia acompanhado o diálogo anterior pela brecha da janela.

– Ora, que papo mais besta! Não andei de trem, nem de metrô... Nem de ônibus circular, nem de lombo de jegue! Vamos voltar logo ao assunto que minha barriga está roncando!

– Já é um bom começo, mas acaso você freqüentou aglomerações?

– Eu vou soprar e colocar tudo a baixo!

– Se você estiver com coronavirus e andar por aí soprando vai espalhar doença pra todo lado, seu lobo malvado!

– Vocês não têm escolha, abrem e viram churrasco ou ficam aí pegam essa tal de “corongavirus”!!

– Corona! Responderam os bacuris em uníssono.

Com a paciência no limite e os olhos vermelhos de raiva, o Lobo Mau soprou e soprou.

– Fuuuuuuuu... Fuuuuuuu...

 E a casinha virou um amontoado de paus sem formas definidas.

Mais que depressa, os porquinhos correram para a casa de Prático, irmão mais esperto, que esperava de porta aberta pelos dois irmãos menos precavidos que entraram correndo, sendo que Cícero foi parar quando trombou com a geladeira já na cozinha, e Heitor escorregou no tapete da sala indo parar debaixo do sofá de onde, por um tempo, não saiu de medo do “canis lupus”. O lobo havia esborrachado o focinho na porta da casa de alvenaria de Prático, ficando zonzo por um minuto, mas assim que recobrou o ânimo começou com aquela gritaria já conhecida.

– Abram a porta ou vou soprar até derrubar!

Lá dentro, Heitor veio com o pote de álcool em gel para passar nas mãos, ao que foi repreendido por prático.

– Se esse lobo espalhar vírus pelo ar, você acha que vai adiantar passar álcool nas mãos?

Heitor guardou o recipiente, não sem antes espirrar um pouco nas mãos de Cícero.

– Espera um pouco, lobo, não sopra ain....

– Fuuuuuuuu... Fuuuuuuu...

E, como o leitor já sabe, a casa dessa vez não caiu. Em seguida o lobo tentou entrar pela chaminé da casa dos porquinhos, mas Prático jogou o álcool em gel no fogo causando uma explosão que queimou a cauda do lobo, fazendo - o sair gritando e assustado, fugindo dali para nunca mais voltar e preferindo pedir comida pelo ifood.

Nos dias seguintes os porquinhos não foram vistos em público.

Quando notaram a ausência dos três suínos, os demais habitantes da vila pediram à Chapeuzinho Vermelho que fosse buscar notícias na imponente casa de tijolos.

Chapeuzinho chamou pelo nome do Prático. Quando o porquinho atendeu, sem abrir, contudo, a porta, a garota perguntou:

– Tá tudo bem aí, toucinho? (que é a maneira carinhosa pela qual ela chamava o grande amigo e antigo crush)

– Bais ou benos, respondeu com voz fanhosa. Estamos os três espirrando, com os focinhos de tomada trancados e com febre. Estamos de quarentena! Aquele diacho de lobo nos passou Covid-19...

– Santo Papa! Então é melhor eu sair logo daqui! Se eu pegar esse troço posso contagiar a Vovozinha! Com a idade que ela tem faz parte do grupo que mais corre risco com essa pandemia! Tchauzinho! Estimo melhoras!

E assim encerramos nosso relato, mas antes quero tranquilizar os leitores, principalmente os mais novos. Os porquinhos tiveram apenas sintomas leves e, catorze dias depois, já estavam brincando e tocando suas flautinhas e pandeiros cantando “quem tem medo de vírus chinês? Lalalá... lalalá” e vida seguiu. E para os que gostam dos vilões informo que o Lobo Mau segue internado na Santa Casa, com previsão de alta nas próximas 36 horas.

_______________________________________________________________

Quem é o autor??

O Professor Rodrigo Fontanelli além da docência é um importante escritor. Com anos trabalhados em nossa escola, nesse ano fortalece a equipe da E.E.Profª Altina Júlia de Oliveira, em Mairinque. Gentilmente, colaborou com o conteúdo cultural de nosso blog.Em anos anteriores, escreveu o livro "Eu e minha escola- Os 60 anos do Scalamandré"- em fiel parceria com os seus alunos.

"É  casado e pai de dois filhos. Mora em Mairinque e é professor em escolas públicas e particulares. Já desenvolveu diversos trabalhos de evangelismo e pregação da Palavra em diversas igrejas da região.

Como cristão, acredita que Evangelho do Senhor Jesus é o poder pelo qual se muda as histórias pessoais e o mundo.

Escreve há quase 20 anos, de maneira clara e versátil, e seus escritos sempre tiveram boa aceitação."

FONTE: https://clubedeautores.com.br/livros/autores/rodrigo-fontanelli

SCALA EM MOVIMENTO, cultura e imaginação a todo o momento